Livros, jornalistas e gurus

Teve um guru indiano que fez muito sucesso nos anos 80/90. Ele simplesmente criou uma doutrina que "legitimava o prazer". Sem culpas, sem estresse. As seguidoras dele eram ótimas para se paquerar. Sem cobranças, só na good vibe. Talvez isso tenha me motivado a tentar ler um de seus livros mais famosos.


Desde garoto, sempre gostei de ler. Lia tudo, até bula de remédio. Uma vez, vendo o meu interesse pela leitura, meu pai me mostrou um livro, e recomendou a sua leitura. Comecei, mas não consegui avançar. Deixei de lado e fui ler outra coisa. Meu pai percebeu e perguntou: "Já leu aquele livro? Ou desistiu?". Confirmei que tinha desistido. Daí, ele me explicou o motivo da indicação: "Este é o livro mais chato que eu já vi na vida, desgraça atrás de desgraça, só queria ver se você aguentaria ler".

Mas, voltando ao livro do tal guru indiano. Também não conseguia ler. Não passava da terceira página. Insisti, tentava de novo... e travava. Até que consegui identificar o problema: "ele seguia um esquema lógico que não fazia o menor sentido", racionalmente falando.

Funcionava assim a tal "fórmula": 

Uma afirmação "A" inquestionável. (O céu é azul); 

Afirmação "B", também aceita sem restrições. (A água é molhada);

Daí se chegava a uma "conclusão", que chamaremos de Afirmação "C". (O unicórnio voa).

Seria mais ou menos assim. "Se o céu é azul e a água, molhada, logo, o unicórnio voa feliz". Só que as premissas A e B eram ideias de religiões ou filosofias tradicionais. Nem sempre o leitor dominava aquele assunto ou questionava a "autoridade" do tal Guru. Daí, aceitava passivamente como "verdade" as conclusões fantasiosas que viriam a seguir. Até o final do livro, estaria, sem senso crítico algum, repetindo como mantras sagrados toda aquela sopa de esoterices sem sentido.

Minha sorte é que eu já conhecia um pouco de filosofias e religiões orientais para não embarcar em tal canoa furada. A princípio, por simplesmente "travar", como se o cérebro rejeitasse aquilo. Depois que identifiquei o "por quê", tudo ficou mais simples. 

Mais recente, aconteceu a mesma coisa ao ler um artigo em época de Eleições, escrito por um jornalista que conheço há décadas, pois fomos colegas de faculdade também nos Anos 80. Eu também "travava" na leitura. Tentei ler de novo. Refleti mais um pouco e, alguns dias depois, entendi onde estava "o problema": querendo se passar por imparcial e isento, mostrando ambos os lados dos diferentes candidatos, o tal jornalista abusava da "falsa simetria". 

Em resumo, tratava como se fossem coisas iguais, apenas de sinal trocado, fatos completamente desproporcionais. Bem na linha de que "a Covid é só uma gripezinha". Para um candidato, ampliava as possíveis falhas dele ou do partido. Para o outro, minimizava agressões e barbaridades que, se levados ao pé da letra das Leis, seriam criminosas. Não foi só o Estadão que fez isso, ao publicar o editorial "Uma escolha muito difícil". 

Neste caso, ter feito faculdade de Comunicação (e manter o senso crítico) me salvou de embarcar na canoa furada. Mas, talvez, o leitor/eleitor comum não escapasse (As urnas confirmaram que não).

Vocês acham que devo perguntar ao amigo jornalista se ele leu o tal guru indiano? 


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